História da Capoeira
Raízes africanas
A história da capoeira começa no século XVI, na época em que o Brasil era colônia de Portugal. A mão-de-obra escrava africana foi muito utilizada no Brasil, principalmente nos engenhos (fazendas produtoras de açúcar) do nordeste brasileiro. Muitos destes escravos vinham da região de Angola, também colônia portuguesa. Os angolanos, na África, faziam muitas danças ao som de músicas
No Brasil
Ao chegarem ao Brasil, os africanos perceberam a necessidade de desenvolver formas de proteção contra a violência e repressão dos colonizadores brasileiros. Eram constantemente alvos de práticas violentas e castigos dos senhores de engenho. Quando fugiam das fazendas, eram perseguidos pelos capitães-do-mato, que tinham uma maneira de captura muito violenta.
Os senhores de engenho proibiam os escravos de praticar qualquer tipo de luta. Logo, os escravos utilizaram o ritmo e os movimentos de suas danças africanas, adaptando a um tipo de luta. Surgia assim a capoeira, uma arte marcial disfarçada de dança. Foi um instrumento importante da resistência cultural e física dos escravos brasileiros.
A prática da capoeira ocorria em terreiros próximos às senzalas (galpões que serviam de dormitório para os escravos) e tinha como funções principais à manutenção da cultura, o alívio do estresse do trabalho e a manutenção da saúde física. Muitas vezes, as lutas ocorriam em campos com pequenos arbustos, chamados na época de capoeira ou capoeirão. Do nome deste lugar surgiu o nome desta luta.
Até o ano de 1930, a prática da capoeira ficou proibida no Brasil, pois era vista como uma prática violenta e subversiva. A polícia recebia orientações para prender os capoeiristas que praticavam esta luta. Em 1930, um importante capoeirista brasileiro, mestre Bimba, apresentou a luta para o então presidente Getúlio Vargas. O presidente gostou tanto desta arte que a transformou em esporte nacional brasileiro.
Três estilos da capoeira
A capoeira possui três estilos que se diferenciam nos movimentos e no ritmo musical de acompanhamento. O estilo mais antigo, criado na época da escravidão, é a capoeira angola. As principais características deste estilo são: ritmo musical lento, golpes jogados mais baixos (próximos ao solo) e muita malícia. O estilo regional caracteriza-se pela mistura da malícia da capoeira angola com o jogo rápido de movimentos, ao som do berimbau. Os golpes são rápidos e secos, sendo que as acrobacias não são utilizadas. Já o terceiro tipo de capoeira é o contemporâneo, que une um pouco dos dois primeiros estilos. Este último estilo de capoeira é o mais praticado na atualidade.
Capoeira Angola e Regional
De uma maneira geral, a Angola é vista como a capoeira antiga, anterior à criação da Capoeira Regional. Dessa forma, a distinção Angola/Regional é muitas vezes entendida como uma separação nestes termos: capoeira "antiga"/capoeira "moderna". No entanto, a questão não é tão simples assim, uma vez que não houve simplesmente uma superação da Angola pela Regional. Além disso, defender hoje em dia a prática da Capoeira Angola não é apenas querer voltar ao passado, mas buscar na capoeira uma visão de mundo que questionou, desde o princípio, o conceito de eficiência e diversos padrões da cultura urbano-ocidental. Quando a Regional surgiu, já existia uma tradição consolidada na capoeira, principalmente nas rodas de rua do Rio de Janeiro e da Bahia. Depoimentos obtidos junto aos velhos mestres da capoeira da Bahia lembram nomes importantíssimos na história da luta, como Traíra, Cobrinha Verde, Onça Preta, Pivô, Nagé, Samuel Preto, Daniel Noronha, Geraldo Chapeleiro, Totonho de Maré, Juvenal, Canário Pardo, Aberrê, Livino, Antônio Diabo, Bilusca, Cabelo Bom e outros.
São inúmeras as cantigas que lembram os nomes e as proezas destes capoeiristas, mantendo-os vivos na memória coletiva da capoeira. Um capoeirista de grande destaque entre os que defendiam a escola tradicional foi Mestre Waldemar da Liberdade, falecido em 1990.
Em 1940, Mestre Waldemar já conduzia a roda de capoeira que viria a ser o mais importante ponto de encontro dos capoeiristas de Salvador, aos domingos, na Liberdade. Infelizmente, na sua velhice Mestre Waldemar não teve o reconhecimento que merecia, e não foram muitos os capoeiristas mais jovens que tiveram a honra de conhecê-lo e ouvi-lo contar suas histórias. Morreu na pobreza, como outros capoeiristas célebres, como Mestre Pastinha. Alguns dos frequentadores das famosas rodas de capoeira tradicional de Salvador ainda dão sua contribuição ao desenvolvimento desta arte-luta, ministrando cursos, palestras e, em alguns casos, apesar da avançada idade, ensinando capoeira regularmente em instituições, principalmente em Salvador, e alguns no exterior. Conforme foi salientado anteriormente, com o aparecimento de Mestre Bimba, iniciou-se a divisão do universo da capoeira em duas partes, em que uns se voltaram para a preservação das tradições e outros procuraram desenvolver uma capoeira mais rápida e direcionada para o combate. Como nos informaram os velhos mestres da capoeira baiana, a expressão Capoeira Angola ou Capoeira de Angola somente surgiu após a criação da Regional, com o objetivo de se estabelecer uma designação diferente entre esta e a capoeira tradicional, já amplamente difundida. Até então não se fazia necessária a diferenciação, e o jogo se chamava simplesmente capoeira.
Sabemos que o trabalho desenvolvido por Mestre Bimba mudou os rumos da capoeira, no entanto, muitos foram os capoeiristas que se preocuparam em mostrar que a Angola não precisaria sofrer modificações técnicas, pois já continha elementos para uma eficaz defesa pessoal. Após o surgimento da Regional, portanto, iniciou-se uma polarização na capoeira baiana, opondo angoleiros e discípulos de Mestre Bimba. A cisão ficou mais intensa a partir da fundação, em 1941, do Centro Esportivo de Capoeira Angola em Salvador, sob a liderança daquele que é reconhecido como o mais importante representante desta escola, o Mestre Pastinha (Vicente Ferreira Pastinha, 1889-1981).
O escritor Jorge Amado descreveu este capoeirista como "um mulato pequeno, de assombrosa agilidade, de resistência incomum. (...) Os adversários sucedem-se, um jovem, outro jovem, mais outro jovem, discípulos ou colegas de Pastinha, e ele os vence a todos e jamais se cansa, jamais perde o fôlego" (Jorge Amado, Bahia de Todos os Santos, 1966:209). Talvez pelo fato de a Capoeira Regional ter se expandido amplamente pelo Brasil, principalmente como uma modalidade de luta, passou-se a difundir a idéia de que a Angola não dispunha de recursos para o enfrentamento, afirmando-se ainda que as antigas rodas de capoeira, anteriores a Mestre Bimba, não apresentavam situações reais de combate. Porém, os velhos mestres fazem questão de afirmar que estes ocorriam de uma forma diferente da atual, em que os lutadores se valiam mais da agilidade e da malícia - ou da "mandinga", como se diz na capoeira - do que da força propriamente dita. Mestre Pastinha, em seu livro Capoeira Angola, afirma que "sem dúvida, a Capoeira Angola se assemelha a uma graciosa dança onde a 'ginga' maliciosa mostra a extraordinária flexibilidade dos capoeiristas.
Mas, Capoeira Angola é, antes de tudo, luta e luta violenta" (Pastinha,1964:28). Sendo uma prática comum no cotidiano dos anos 30, a capoeira não exigia de seus praticantes nenhuma indumentária especial. O praticante entrava no jogo calçado e com a roupa do dia-a-dia. Nas rodas mais tradicionais, aos domingos, alguns dos capoeiristas mais destacados faziam questão de se apresentar trajando refinados ternos de linho branco, como era comum até meados deste século. Além disso, é importante observar que tradicionalmente o ensino da antiga Capoeira Angola ocorria de maneira vivencial, isto é, de forma espontânea, sem qualquer preocupação metodológica. Os mais novos aprendiam com os capoeiristas mais experimentados diretamente, com a participação na roda.
Embora já em 1932 tenha sido fundada por Mestre Bimba a primeira academia de capoeira, o aprendizado informal desta arte-luta nas ruas das cidades brasileiras predominou até meados da década de 50. Atualmente, a maior parte dos capoeiristas refere-se à Angola como uma das formas de se jogar a capoeira, não propriamente como um estilo metodizado de capoeira. Para os não iniciados nesta luta, é importante lembrar que a velocidade e outras características do jogo da capoeira estão diretamente relacionados com o tipo de "toque" executado pelo berimbau. Entre vários outros, existe aquele denominado toque de Angola, que tem a característica de ser lento e compassado. Dessa forma, "jogar Angola" consiste, na maioria dos casos, em jogar capoeira ao som do toque de Angola.
Este cenário, no entanto, vem mudando, com a enorme proliferação de escolas de capoeira Angola, que realizam um sério trabalho de recuperação dos fundamentos dessa modalidade. Dessa forma, a maior parte das academias e associações de capoeira do Brasil, ao realizarem suas rodas, têm o hábito de dedicar algum tempo ao jogo de Angola, que nem sempre corresponde àquilo que os antigos capoeiristas denominavam Capoeira Angola.
Atualmente, o jogo de Angola caracteriza-se por uma grande utilização das mãos como apoio no chão, e pela execução de golpes de pouca eficiência combativa, mais baixos e mais lentos, realizados com um maior efeito estético pela exploração do equilíbrio e da flexibilidade do capoeirista. De fato, seria tarefa muito difícil reproduzir detalhadamente as movimentações e os rituais da antiga capoeira, mesmo porque ela, como qualquer instituição cultural, tem sofrido modificações ao longo de sua história. No entanto, estamos vivendo, há alguns anos, uma intensa preocupação de recuperação do saber ancestral da capoeira, através do contato com os velhos mestres. Este fato demonstra uma saudável preocupação da comunidade da capoeira com a preservação de suas raízes históricas. Afinal, se recordarmos que a capoeira, como arte-luta que é, engloba um universo muito mais amplo que simplesmente as técnicas de luta, veremos a quantidade de informações que podem ser obtidas junto aos antigos capoeiristas, que vivenciaram inúmeras situações interessantes ao longo de muitos anos de prática e ensino da arte-luta.
Acreditamos que algumas das mais relevantes características da Angola a serem recuperadas para os dias de hoje são: a continuidade de jogo, em que os capoeiristas procuram explorar ao máximo a movimentação evitando interrupções na dinâmica do jogo; a importância das esquivas, fundamentais na Angola, em que o capoeirista evita ao máximo o bloqueio dos movimentos do adversário, procurando trabalhar dentro dos golpes, aproveitando-se dos desequilíbrios e falhas na guarda do outro; a capacidade de improvisação, típica dos angoleiros, que sabiam que os golpes e outras técnicas treinadas no dia-a-dia são um ponto de partida para a luta, mas precisam sempre ser moldadas rápida e criativamente à situação do momento; a valorização do ritual, que contém um enorme universo de informações sobre o passado de nossa arte-luta e que consiste em um grande patrimônio cultural.
A antiga capoeira marcava-se por um grande respeito aos rituais tradicionais, diferentemente do que ocorre nos dias de hoje. Atualmente, são raras as academias que adotam a denominação de Angola ou Regional para a capoeira que é ali praticada. E, entre as que se identificam como Capoeira Regional, poucas demonstram efetivamente relação direta com o trabalho desenvolvido por Mestre Bimba. Na verdade, os mestres e professores de capoeira afirmam jogar e ensinar uma forma mista, que concilia elementos da Angola tradicional com as inovações introduzidas por Mestre Bimba. De fato, como afirmamos anteriormente, delimitar a separação entre essas duas escolas da capoeira é algo muito difícil hoje em dia, e há muitos anos sabe-se que a tendência é que a capoeira incorpore as características dessas duas escolas. No entanto, é fundamental que os capoeiristas conheçam a sua história, para que possam desenvolver sua luta de maneira consciente.
A Capoeira Angola e a Capoeira Regional estão fortemente impregnadas de conteúdo histórico, e não se excluem. Completam-se e fazem parte de um mesmo universo cultural
Mestres mais Importantes da Capoeira
Mestre Pastinha
Descende de pai espanhol e mãe baiana, foi batizado em 1889 com o nome de Vicente Joaquim Ferreira Pastinha, na cidade de Salvador-Ba. Conta-se que o princípio de sua vida na roda de capoeiragem aconteceu quando tinha 8 anos , sendo seu mestre o africano Benedito, o que ao vê-lo apanhar de um garoto mais velho, resolveu ensinar-lhe as mandingas, negaças, golpes,guardas e malícias da Angola. O resultado veio logo aparecer , Pastinha nunca mais fora importunado por ninguém.
Saindo da Marinha em 1910, inicia sua fase de prof. de capoeira ,seu primeiro aluno foi Raimundo Aberê, este se tornou um exímio capoeirista, conhecido em toda Bahia .Segundo Mestre Pastinha , sua primeira academia ficava localizada no Largo do Cruzeiro do São Francisco, na rua do meio do terreiro. Pastinha dizia: "Acapoeira tem muitas coisas.Primeira parte; a capoeira tem seu dicionário; segunda parte: tem seu dicionário; terceira parte : tem seu dicionário e quarta parte ; tem seu dicionário ". Ensinava que quando alguém fosse falar sobre a capoeira dissesse somente o que sabia, "não vá dizer que a capoeira é o que ela não é , nem vá contar o que não viu ninguém falar , então, não vá contar aquilo que não pode contar. Não é todo mundo que vá abrir a boca e dizer eu conheco a capoeira, a capoeira é isso.Nem todos mentais, nem todos sujeitos pode abrir a boca para cantar o que é capoeira nãoMestre Pastinha era uma pessoa bem humorada, descontraída, bastante receptivo , rico em conhecimento, seu saber transcendia as rodas de capoeira. Era uma pessoa do mundo ideal, camarada amigo, pai e irmão dos discípulos.Viveu intensamente seus longos anos dedicados à capoeira de Angola, classificou-se na história da maladragem, da malícia, como ás. Manteve em sua academia de Angola, a originalidade da eficiência da luta em momento algum fora perdido na academia de Pastinha. Ele contribuiu categoricamente com o seu talento e dedicação à capoeira para que a sociedade baiana e brasileira percebessem a capoeiragem como uma luta-arte imbatível, guerreira, que está além dos paupérrimos preconceitos que há na sociedade.
Mestre Bimba
Manuel dos Reis Machado nasceu no dia 23 de novembro de 1900, no bairro Engenho Velho, Freguesia de Brotas, Salvador, Bahia.
O apelido ele ganhou logo ao nascer de uma aposta feita entre sua me, Maria Martinha do Bonfim e a parteira que o aparou.
Iniciou-se na capoeira aos 12 anos de idade, seu mestre foi o africano Bentinho, capito da Companhia de Navegao Baiana.
Aos 18 anos começa a dar aulas no bairro onde nasceu. Como ele mesmo dizia:
Em 1918 no havia escola de capoeira, havia sim rodas de capoeira, nas esquinas, nos armazns e no meio do mato
Em 1928 achando que a capoeira que ele praticava e ensinava era pouco competitiva, e que deixava a desejar em termos de luta, juntou golpes de batuque capoeira de angola e criou a capoeira regional.
Fiz a capoeira regional. Enquanto estudava e praticava a de angola fui inventando e aperfeioando novos golpes.
Em 1928 eu criei, completa, a regional que o batuque misturado com a angola, com mais golpes, uma verdadeira luta, boa para o corpo e para a mente.
A capoeira regional criada por Mestre Bimba foi motivo de muita polmica entre os outros capoeiristas que no concordavam com sua radical mudana. Por outro lado, os jornais e revistas da poca no cansavam de noticiar suas proezas. A fama de Bimba e da capoeira regional se propaga pelo Brasil.
Antônio Carlos Moraes
Mestre Caiçara. Uma das lendas da Capoeira; sua história mais parece tirada de livros de ficção. Numa época em que o Pelourinho não tinha o glamour de hoje, Mestre Caiçara ditava as regras num território de prostitutas e cafetões; de traficantes e malandros. Todos tinham que pedir a sua benção.
Gravou um dos principais discos da Capoeira Angola onde exemplifica os diversos toques de berimbau, além de cantar ladainhas e sambas de roda. Faleceu em 26 de agosto de 1997.
João Pereira dos Santos
Mestre João Pequeno. Aluno do Mestre Pastinha e um dos mais antigos e importantes mestres da Capoeira Angola em atividade. Pela academia do Mestre João Pequeno, no Centro Histórico de Salvador, passaram alguns dos principais angoleiros da nova geração. É possível vê-lo quase todas as noites jogando e ensinando a tradicional arte da Capoeira.
João Oliveira dos Santos
Mestre João Grande, Phd Honóris Causa da Universidade de UPSALA. Um dos principais díscipulos do mestre Pastinha sendo seu Contra-Mestre. Por mais de 40 anos o Mestre João Grande tem praticado e ensinado Capoeira Angola. Ele viajou para África, Europa e América do Norte, onde ensina atualmente, em sua academia na cidade de New York. De lá ele continua mantendo o intercâmbio com a Bahia e acompanhando a movimentação da Associação Brasileira de Capoeira Angola